A soltura de André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap causou enorme repercussao , não somente por ser ele apontado como um dos chefes de uma das maiores facções criminosas que atua no país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), mas também pela tentativa midiática em se procurar um responsável pelos fatos.
Foi noticiado que a soltura seria de responsabilidade do Ministro Marco Aurélio Mello, eis que a determinação adveio após a concessão liminar da ordem de Habeas Corpus impetrado perante o Supremo Tribunal Federal. Porém, ousamos opinar que não haveria como responsabilizar um único culpado, senão vejamos.
De acordo com a defesa de André, o Habeas Corpus nº 186.144 fora impetrado contra decisão proferida em 2020 pelo Superior Tribunal de Justiça em que foi denegada liminarmente outro Habeas Corpus, fundamentada pela suposta inexistência de excesso de prazo na prisão preventiva. Em suma, a prisão preventiva do Acusado foi decretada ainda em 2014, no bojo da “Operação Oversea”, pela suposta prática de delitos relacionados ao tráfico de drogas. Condenado em primeira instância, em junho de 2020 fora provido o recurso de apelação, redimensionando a pena privativa de liberdade para 10 anos, 2 meses e 15 dias de reclusão. Nesse momento, fora mantida a prisão cautelar por permanecerem inalterados os motivos que ensejaram o decreto na origem.
Inicialmente, importante ressaltar que “André do Rap” não estava preso para início de cumprimento da pena acima mencionada; como é sabido, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal que não há possibilidade de execução provisória automática da pena. Em resumo, interpretando o artigo 283 do Código de Processo Penal, o Supremo decidiu que o artigo mencionado é constitucional e, portanto, o trânsito em julgado da sentença condenatória é indispensável à execução provisória da pena.
Ou seja, o caso emblemático cuida de prisão provisória, eis que ainda não foram esgotados todos os recursos que poderiam obstar o trânsito em julgado da decisão, ou seja, momento em que não há mais recursos disponíveis e a pena se torna inalterável.
Retomando especificamente ao caso, importante se ter em mente de que este chegou até o Supremo Tribunal Federal em decorrência do argumento da defesa técnica de excesso de prazo da prisão preventiva. Alegou-se a defesa do ordenamento jurídico, especificamente do artigo 316, §único do Codigo de Processo Penal.
Isso porque em 2019 foi aprovado o Pacote Anticrime pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República, em que, entre outras medidas, incluiu-se o parágrafo único ao artigo 316, do Código Processo Penal, ensinando que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.”
Assim, foi defendido no bojo do Habeas Corpus que o Tribunal Regional Federal, quando do julgamento do recurso de apelação interposto, embora tenha reduzido a pena do Acusado, não observou o parágrafo único do artigo 316, CPP, ensejando a ilegalidade da prisão. Dessa maneira, embora possível a manutenção da prisão do acusado, não foi essa reavaliada no período determinado – inclusive, não foi observado pelo Ministério Público a ausência de reavaliação/fundamentação, haja vista pelo órgão ser possível a provocação do juiz competente a tanto.
Opinamos, portanto, pela correta decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, haja vista ser ele o aplicador da lei e, uma vez que esta determinava a reavaliação após o período exposto, em possível omissão, a ilegalidade não poderia por ele ser mantida, devendo ser sanada de ofício.
Importa ressaltar que nossa opinião é somente para a fiel aplicação da lei, eis que, conforme dito, seguiu todos os ritos necessários, sendo aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Poderíamos, sim, defender a análise minuciosa do caso pelo Ministro, talvez até parcimônia para a decisão apenas no mérito da ação impugnativa, mas não podemos responsabilizá-lo pelo fiel cumprimento do determinado pelo ordenamento jurídico.
Por fim, salientamos nossa preocupação com a repercussão do caso, eis que costumeiramente no país são utilizados casos emblemáticos para a intervenção do legislativo nas disposições legais focadas no “Direito Penal de Emergência”, em que a população desinformada e orientada por uma mídia irresponsável, clama às autoridades por soluções urgentes que em verdade, terão impactos desastrosos na maioria das pessoas que são clientela preferencial do Direito Penal, e que estão completamente afastadas de casos emblemáticos como este. Como postado pelo colega e defensor público, Fabio Jacintho Sorge (@becasurrada), “o Populismo Penal sempre serviu para eleger políticos e vender jornais”. Aceitar o Direito Penal baseado em fatos episódicos somente abre espaço ao mundo perigoso do arbítrio.
*Publicação em parceria