Em 2020 foi publicada a Lei nº 14.071/2020 que alterou diversos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro. Intencionou-se a modificar a composição do Conselho Nacional de Trânsito e, entre outras providências, entendemos ser crucial a análise da a inserção do artigo 312-B ao CTB porque, em tese, teria o condão de obstar a aplicação das penas restritivas de direitos elencadas no artigo 44 do Código Penal aos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa de natureza grave ou gravíssima na direção de veículo automotor, ambos sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que cause dependência (art. 302, §3º e art. 303, §2º, CTB).
De acordo com o artigo 44 do Código Penal, as penas restritivas de direito são autônomas e, cumpridos determinados requisitos, deverão substituir a pena privativa de liberdade imposta. Em princípio, a ambos os crimes aqui mencionados era possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, eis que ambos os crimes tratados são punidos a título de culpa, ou seja, quando o agente não quer praticar o crime, mas age com imprudência, negligência ou imperícia.
Dessa maneira, caso o acusado não fosse reincidente em crime doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicassem que a substituição seria suficiente, poderia ter a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos.
Entendemos que a alteração imposta pela Lei nº 14.071/20 pretendeu obstar a referida substituição, como nota-se pela notícia veiculada pelo Governo Federal, informando que dentre as principais alterações destaca-se “proibir a conversão de pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos quando o motorista comete homicídio culposo ou lesão corporal sob efeito de álcool ou outro psicoativo”. Porém, com a devida vênia, acreditamos que por erro a intenção do legislador não surtirá os efeitos desejados na esfera penal, senão vejamos.
Narra o artigo art. 312-B incluído que aos crimes previstos no § 3º do art. 302 e no § 2º do art. 303 do Código de Trânsito não se aplica o disposto no inciso I do caput do art. 44 do Código Penal. Entendemos que ao afirmar que o disposto no inciso I “não se aplica” quer dizer, em verdade, que este requisito é dispensado aos crimes expostos. E, uma vez que o inciso II (reincidência em crime doloso) não se aplica aos crimes culposos, restaria tão somente necessário o cumprimento do inciso III, no sentido dos requisitos subjetivos do agente para a mencionada substituição.
Importa ressaltar que a atividade de interpretação é restrita no Direito Penal, eis que não pode ser utilizada em malefício dos acusados. Como bem salienta Lenio Luiz Streck, “a lei penal deve ser prévia, certa, escrita e estrita, razão pela qual não se admite analogia in malam partem, tampouco a criação judicial de tipos penais ou a extensão de um rol de delitos imprescritíveis. Só o legislador pode fazer isso. Por isso, deve haver um elenco taxativo”.
Dessa maneira, a nosso sentir, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos crimes em tela ainda é cabível. Por fim, salientamos que não se está aqui a defender saídas ardilosas da defesa técnica, mas a eficiência dentro da legalidade, vez que o poder punitivo do Estado não é ilimitado, mas definido por regras e princípios dentro de um Estado Democrático de Direito.
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Referências:
https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/noticias/2020/outubro/presidente-bolsonaro-sanciona-alteracoes-no-codigo-de-transito-brasileiro-ctbp
https://www.conjur.com.br/2015-out-22/senso-incomum-stj-faz-interpretacao-extensiva-direito-penal- reu
*Publicação em parceria
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